sábado, 15 de março de 2008

A trapaça do Design

O filósofo Vilém Flusser (2007), em seu texto “Sobre a palavra design” sugere que o design faz com que toda cultura seja uma trapaça. Analisaremos brevemente alguns aspectos deste ensaio relacionado-os com a teoria sócio-histórica de Vygotsky.

Utilizando como exemplo a alavanca, Flusser afirma que o seu design é uma imitação do braço, um braço artificial que busca enganar a natureza por meio da técnica.

“Esse é o design que esta na base de toda cultura: enganar a natureza por meio da técnica” .(FLUSSER, p.184)

Neste sentido Engels em seu trabalho “A dialética da Natureza” afirma que a especialização da mão, conforme (1976, p.40), resulta na surgimento do instrumento (ferramenta), “e o instrumento implica a atividade especificamente humana, a reação transformadora do homem sobre a natureza... O Homem difere dos outros animais porque faz com que a natureza sirva aos seus propósitos, dominando-a". Para Flusser, um ser humano é um design contra a natureza.

A função de elemento mediador nos processos de interação do homem e seu ambiente atribuída por Engels aos “instrumentos”, foi estendida aos signos pelo psicólogo russo Vygotsky (1984, p.9). Em sua teoria sócio-histórica desenvolvida em colaboração com o neuropsiquiatra Luria “os sistemas de signos (a linguagem, a escrita, o sistema de números), são criados pelas sociedades ao longo do curso da história humana e mudam a forma social e o nível de seu desenvolvimento cultural”. A analogia entre o signo e o instrumento esta fundamentada na função mediadora presente nestes conceitos.

Para Vygotsky o controle da Natureza e o controle do comportamento estão interligados, a intervenção do homem sobre a natureza altera a própria natureza humana. Da mesma forma o uso de signos condiciona o ser humano a uma estrutura particular de comportamento e cria processos psicológicos enraizados na cultura.

Neste contexto podemos pensar na função mediadora do design, que por meio da superação da separação entre arte e técnica, nos proporciona viver de modo cada vez mais artificial (mais bonito), substituíndo o que é autêntico por artefatos artificiais perfeitos ( Flusser, 2007). Se pensamos na abordagem de Vygostsky podemos sugerir que o design modifica a forma social e o desenvolvimento cultural das sociedades o que resulta no condicionamento do comportamento.

“Graças a palavra design toda cultura é uma trapaça, de modo que somos trapaceiros trapaceados, e de que todo envolvimento com a cultura é uma espécie de auto-engano” (FLUSSER, p. 185).

Para Marx (1988, p. 204) os homens “usam as propriedades mecânicas, físicas e químicas dos objetos, fazendo-as atingirem como forças que afetam outros objetos no sentido de atingir seus objetivos pessoais”.

Flusser, ao fazer uma auto-análise dos objetivos de seu ensaio, se propõe a uma confissão: de que seu texto segue um design determinado: Revelar aspectos pérfidos e ardilosos da palavra design que normalmente ocultados. Se tivesse optado por outro design provavelmente chegaria a uma explicação totalmente distinta e igualmente plausível. Desta forma afirma Flusser: “tudo depende do design”.

Referências:


ENGELS, Friedrich. A dialética da natureza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

MARX, Karl. O Capital - crítica da economia política. Livro 1, Volume I. 14 ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil , 1994

VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente: O desenvolvimento de processos psicológicos superiores. Tradução: Jose Cipolla Neto. São Paulo: Editora Martins Fontes, 6a. ed. 1998.